A Irlanda e a batata
A agricultura irlandesa nos séculos XVIII e XIX estava muito dependente do cultivo da batata. Era o país com a maior densidade demográfica da Europa, a população rondava os 8 milhões.
Em 1845 um fungo arrasou as colheitas de batata. Os irlandeses dependiam da batata, tal como os chineses dependiam do arroz. Nos dois anos seguintes manteve-se a perda total da produção de batata.
Sem outra alternativa, a população começou a emigrar para a Inglaterra e os Estados Unidos. Em pouco tempo cerca de um milhão e meio de irlandeses embarcaram para uma viagem em que muitos nunca chegaram ao seu destino, mortos doenças a bordo ou fome e naufrágios.
Neste período as relações com a Inglaterra não eram as melhores. Os irlandeses ansiavam pela independência, a sua identidade católica e republicana não era compatível com a monarquia protestante do Reino Unido.
O governo em Londres inicialmente tentou amenizar a crise irlandesa com algum apoio financeiro e importando milho dos Estados Unidos. Mas era impossível conseguir alimentar milhões de pessoas famintas. Por outro lado os ingleses proprietários das terras, continuavam a exigir as suas rendas anuais aos rendeiros, quem não cumpria era expulso da terra. Esta situação conduziu ao paradoxo de nesta fase a Irlanda, que não tinha como alimentar as famílias residentes na ilha, exportava grandes quantidades de gado e cereais, era a única forma dos rendeiros conseguirem manter as terras. O governo inglês não quis entrar em conflito com os “landlords” e ignorou o problema. Os carregamentos eram enviados por comboio, escoltados por soldados, até aos portos e depois embarcados para Inglaterra.
Em 1846 a situação ainda pirou para os irlandeses com a chegada dos liberais de John Russell ao governo em Londres. O secretário destacado para a Irlanda, Charles Trevelyan foi o mentor da política de não intervenção na crise alimentar da Irlanda. Segundo ele, o povo não podia ficar habituado à dependência do governo: “O julgamento de Deus enviou esta calamidade para ensinar uma lição aos irlandeses”.
O ano de 1847 foi terrível a nível climático. Toda a situação se agravou sem o apoio do estado. As pessoas ficavam caídas à beira das estradas à espera da morte, havia corpos espalhados pelas ruas. Charles Dickens escreveu: “Em vários pontos, as estradas são cemitérios. Os cocheiros já não saem sem encontrar cadáveres pelo caminho e, à noite, passam por cima deles”, Chegaram a verificar-se casos de canibalismo. Os corpos eram enterrados em valas comuns, sem qualquer registo.
A sociedade civil inglesa teve de agir. Organizações como os Quakers, Irish Relief e Rotschild começaram a distribuir sopas pelas populações famintas, mas muitas vezes sob a exigência de assistir a cultos protestantes.
A crise irlandesa culminou em 1849, o pior ano de todos. Um surto de cólera dizimou ainda mais a população. Nesse ano a jovem rainha Victória fez uma visita à ilha, na tentativa de apaziguar os impulsos independentistas, mas era tarde demais. A Irlanda não mais aceitaria fazer parte do império britânico, viria a declarar a sua independência em 1916.
A Irlanda nunca se refez completamente daquele trágico acontecimento, consta que durante esse período a população decresceu 30%. Com uma população estimada em 4,5 milhões de habitantes em 2011, a ilha não voltou a atingir a marca de 8 milhões, população anterior à crise de 1845.
Actualmente a Irlanda é um dos países mais prósperos do mundo e sempre na linha da frente no combate à fome, vejamos o exemplo de Bob Geldof e Bono Vox, 2 irlandeses sempre disponíveis em campanhas de luta contra a fome.