O Negacionismo
Em 2010 numa viagem que fizemos à República Checa, tivemos oportunidade de visitar o campo de concentração de Terezin a cerca de 60 quilómetros de Praga, a que os alemães chamavam Theresienstadt. Era um mero campo de transição para Auschwitz.
Logo na entrada temos a visão de um relvado enorme, cerca de 1 hectare repleto de campas brancas encimado por uma grande estrela de David, recordando as vitimas que ali pereceram. O campo tinha sido construído para albergar judeus das classes mais abastadas e artistas.
Em 1944 a Cruz Vermelha teve autorização para visitar o campo. Os alemães queriam desfazer o rumor que corria acerca da existência de campos de extermínio. Para servir de modelo propagandístico da forma como eram tratados os judeus deportados, os alemães chegaram a filmar o quotidiano do campo modelo, utilizando as imagens para difundir pelos cinemas do reich, convencendo os cidadãos alemães e o mundo de que os deportados eram tratados de uma forma exemplar.
O que realmente se passava, ficava para depois das filmagens. O que observamos no local é absolutamente chocante, as camaratas onde dormiam, eram beliches com tábuas de madeira, sem qualquer cobertura, as temperaturas naquela zona podem atingir os 15 graus negativos no inverno. Os desenhos que foram encontrados após a libertação do campo descrevem execuções em massa e torturas atrozes.
Durante a guerra passaram por Theresienstadt cerca de 144.000 prisioneiros, cerca de 33.000 morreram lá. Quando a guerra terminou havia cerca de 17.000 sobreviventes; das 15.000 crianças que habitaram o campo apenas 93 sobreviveram.
A sensação que mantenho desse dia é de uma profunda tristeza. Visitamos o campo no mês de junho, caía uma chuva mansa e silenciosa. Durante a visita apenas ouvíamos a voz do guia, um checo que havia perdido os avós naquele campo, todos os visitantes se mantinham em silêncio, só o quebravam, quando num sussurro questionavam o guia acerca de algo. O respeito pela memória daqueles que sofreram, oprimia-nos. Nesse dia éramos poucos os visitantes, se bem me recordo seriamos umas 10 pessoas, entre polacos e americanos, possivelmente todos judeus, excepto nós.
Tudo isto se passou vinte anos antes de eu ter nascido, não podemos deixar que esse silêncio vença a memória, sempre passei este testemunho aos meus filhos, existem princípios, valores e limites que não podem ser ultrapassados...
“Há 70 anos foi libertado o campo de concentração mais associado ao extermínio dos judeus pelo regime nazi. Mas demorou anos até haver uma compreensão generalizada de que os judeus tinham sido vítimas de um genocídio (...)
(...) Apesar de muito se ter passado até então, só em 1961, quando o julgamento em Israel de Adolf Eichman, o especialista em judeus do regime nazi capturado pela Mossad na Argentina, foi transmitido pela televisão para todo o mundo, é que o Holocausto ganhou as dimensões modernas. Os julgamentos militares de Nuremberga, logo a seguir à guerra, não tiveram esse efeito.”
In jornal Publico 27/01/2015
Ao ler este artigo achei incrível haver gente que ponha em causa um acontecimento tão marcante e documentado como este. Então tive necessidade de aprofundar a análise do tema do negacionismo.
Durante a década de 1980, surgiu na França o termo negacionismo para orientar uma corrente de críticos que defendiam que o Holocausto da Segunda Guerra Mundial não existiu. Essa vertente interpretativa procurava minimizar, negar ou omitir simplesmente o extermínio de judeus ocorrido durante o conflito.
O negacionismo do Holocausto tem como argumentos básicos a defesa de que os nazis não desenvolveram uma política oficial de perseguição aos judeus, assim como não utilizaram métodos de extermínio em massa e de que o número de mortes propagado, cerca de seis milhões, seria um exagero.
Os seguidores desta teoria não aceitam o termo negacionismo, para os definir preferem utilizar a expressão revisionista. Defendem que pretendem rever a história sob a sua perspectiva. Só que seus opositores recusam a designação por respeito aos verdadeiros revisionistas que fazem uso de documentos históricos para trazer mais informações fundamentadas. Ou seja, os negacionistas são constantemente acusados de estruturarem seus argumentos simplesmente numa base ideológica e sem a existência de evidências históricas.
Os negacionistas sugerem que o Holocausto é uma farsa com fins propagandísticos que utiliza números exagerados para poder sustentar a criação do Estado de Israel, receber grandes indeminizações e justificar o avanço dos judeus sobre os territórios palestinianos no Médio Oriente.
O negacionismo ganhou conotação de antissemitismo e, atualmente, é considerado crime em 16 países, entre eles a Alemanha.
O negacionismo não precisa ser acompanhado de ideias racistas ou de justificação do Holocausto para ser perigoso. A mera negação do massacre é preocupante porque atinge um facto histórico que nos recorda até onde pode chegar a maldade humana.
A forma mais eficaz de preservar direitos humanos e evitar a repetição de qualquer episódio triste ou insano da história como o Holocausto, é o fortalecimento de políticas de esclarecimento e de preservação da memória para que a obscuridade não relativize a barbárie.
Nos tempos atuais assistimos ao recrudescimento de fundamentalismos quer sejam de natureza religiosa, politica ou rácica, que levam à repetição dos horrores humanos. Os seus perpetradores são jovens alienados e desvinculados do passado histórico.
Penso que tornar obrigatório assistir ao filme “A Lista de Schindler” nas escolas secundárias, seguida de uma abordagem sintética do tema “Segunda Guerra Mundial”, seria uma boa medida educacional.